Elemento destacado da propriedade – que é
na essência o maior de todos os direitos reais – que congrega em si todos os
poderes originários do domínio – o uso, gozo e a disponibilidade – o usufruto, inserto como direito real
no elenco do artigo 1.225, IV do Novo Código Civil, está disciplinado nos artigos 1.390 a 1.411 do mesmo Código.
Não fez o NCC, como no Código de 1.916, a
conceituação desse importante e usual direito real, já fixado e solidificado
pela doutrina e jurisprudência no decorrer dos tempos. A própria definição
etimológica do termo já o identifica: o
poder de fruir as utilidades e frutos de uma coisa enquanto temporariamente
destacado da propriedade.
Como restrição de vulto ao direito de propriedade,
ao usufrutuário é conferido o uso e gozo
da coisa (jus utendi e jus fruendi), retendo o titular de domínio o poder
de disponibilidade (o jus abutendi).
Na verdade não há fracionamento da propriedade com a constituição do direito
real do usufruto, limitativo daquele direito maior, mas uma imposição de ônus temporário que cessará na forma prescrita no artigo 1.410,
I a VI, com o cancelamento subseqüente no assento imobiliário, expressão
que em boa hora foi incluída na redação do citado artigo, visando adequar-se
aos dispositivos do Regulamento de Registros Públicos, como ato obrigatório e
negativo para a extinção e liberação do ônus constituído.
Dentre as formas de extinção do direito real de usufruto, o legislador
incluiu o ato de renúncia, não previsto
no Código de 1916, e um dos mais praticados diuturnamente e que exige
instrumento público adequado. Não obstante servidão pessoal vinculada à própria
pessoa e que com ela se extingue, exige-se, para a renúncia do direito, a outorga uxória ou consentimento marital,
se casado o usufrutuário, exceto quando se tratar de regime da separação
absoluta dos bens (art. 1647, do NCC).
O chamado usufruto reservado (ou deducto),
embora não comum, pode surgir em título oneroso com dois atos obrigatórios a serem praticados na matrícula. O registro da constituição do usufruto
pela reserva e o da doação do imóvel,
que passa a ser gravado com o direito real do usufruto.
Importante e inovador dispositivo foi
incluído no novo Código Civil em seu artigo 1.391, in verbis:
"O usufruto de imóveis, quando não
resulte de usucapião, constituir-se-á
mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis"
Referido dispositivo, correspondente ao
art. 715 do Código anterior, obriga, à exceção do de usucapião, o registro
obrigatório não só do usufruto decorrente da vontade das partes como das demais
espécies, como as que decorrem de direito sucessório e de família, que se
constituem ope legis, os chamados usufruto legal ou vidual. Se antes não
obrigatória, a publicidade registrária
passa a ser necessária para prevenir terceiros. É a valorização do Registro
Imobiliário, organismo que deve concentrar e dar ampla publicidade às mutações
que a propriedade experimenta.
Prestigia-se, em bom momento, os princípios da concentração e da
publicidade, que o E. Conselho Superior da Magistratura paulista já vinha
defendendo (v.g. Ap. Cível n.
68.107-0/6 - DOJ de 26/05/2000)
São características
essenciais do direito real do usufruto e que representam a sua maior
vantagem: a sua inalienabilidade,
tendo como conseqüência a sua impenhorabilidade,
e a temporariedade. Permitir aliená-lo, em ordem sucessiva, é
descaracterizá-lo, pois o caráter temporário é de sua própria essência. O limite máximo é o da vida do usufrutuário,
se pessoa natural, ou de 30 anos, se pessoa jurídica (redação do NCC), ou ainda
pelo implemento da condição ou termo de duração estabelecidos para a sua
vigência.
O mais discutido dos artigos do Código de
1916, que vedava a transferência do usufruto por alienação (artigo 717), sobre
o qual formou-se sólida jurisprudência, teve considerável melhora em nova
redação, com exclusão de palavras inúteis e desnecessárias como requerem os
léxicos jurídicos. O art. 1.393 do novo Código está assim redigido:
"Não
se pode transferir o usufruto por alienação, mas o seu exercício pode ceder-se
por título gratuito ou oneroso"
Foi suprimida, por desnecessária, a
expressão "o usufruto só se pode transferir, por alienação, ao
proprietário da coisa", mantida a cessão por título gratuito ou oneroso do
seu exercício.
Por óbvio, a alienação do usufruto ao proprietário do bem não está vedada, por
ser esta a forma, juntamente com a renúncia, mais comum, em ato declaratório,
da extinção do usufruto pela
consolidação da plena propriedade na pessoa do nu-proprietário (art. 1.410, VI).
O usufruto pertence, pois, à classe dos direitos não transmissíveis, mas não em termos absolutos, o que seria totalmente
inútil desde que ao usufrutuário não fosse possível fruir pessoalmente a coisa.
O que devemos sempre repetir - o que
muitos relutam ainda em entender e aplicar - é que a proibição passa a existir
quando o usufruto já está constituído. O poder de dispor se refere claramente à
disposição constituída e não àquela que transfira direito já existente.
Confira o alerta dado pelo notável
registrador Ulysses da Silva (in O Código Civil e o Registro de Imóveis – ed.
Sérgio Fabris – 2003):
" O bom senso nos leva a interpretar
a proibição aí contida como endereçada ao eventual usufrutuário já constituído
e não ao pleno proprietário, porque a este cabe, sem nenhum embargo, o direito
de instituir o usufruto a quem lhe aprouver"
Nada mais correto. A partir de sua
constituição, permitir alienar o usufruto em ordem sucessiva é
descaracterizá-lo completamente, fazendo do usufruto um novo usufruto,
eternizando-se esse direito real sem possibilidade de que o nu-proprietário
venha a exercitar o domínio pleno da propriedade.
Como dito, a redação do artigo 1.393 do
Novo Código não contempla qualquer alteração substancial que obrigue modificar
o mesmo tratamento doutrinário e jurisprudencial alcançado ao longo dos tempos.
Vejamos, mais uma vez, os exemplos amplamente conhecidos e
aceitos pela doutrina e jurisprudência de transferência do usufruto que não
afrontam referido dispositivo e que não representam a sucessividade desse
direito:
1) o titular de
domínio aliena a nua propriedade a A e o usufruto a B. O usufruto é aqui constituído,
não podendo mais o usufrutuário dele dispor em favor de terceiros, o que
caracterizaria o usufruto sucessivo, proibido pela lei. A alienação será
possível tão-somente ao adquirente da nua propriedade (A), fato que consolida a
propriedade (art. 1.410, VI);
2) de igual forma,
por legado, o proprietário deixa a A a nua propriedade e a B o usufruto.
3) outro exemplo,
que passará a ser comum com a nova roupagem dada pelo fideicomisso no novo
Código Civil, previsto no art. 1.572, parágrafo único. Se ao tempo da morte do
testador (fideicomitente), já tiver nascido o fideicomissário, passará o
fiduciário a ser usufrutuário do bem fideicometido. A propriedade é bipartida,
exercendo o fideicomissário o domínio do imóvel gravado com o usufruto.
Nestes três exemplos a propriedade é
bipartida, são operações jurídicas que não afrontam a proibição contida no
analisado artigo 1.393, sem qualquer impedimento ou restrição, não existindo
qualquer outro dispositivo que direta ou indiretamente venha a impedir referidas
transferências.
4) não há proibição,
também, que o nu-proprietário, conjuntamente com o usufrutuário, transfiram o
pleno domínio a terceiro. O motivo é simples. Nesse caso, pela adjunção de
todos os elementos da propriedade – uso, gozo e disponibilidade – consolida-se
o domínio pleno da propriedade. Não há a figura do usufruto sucessivo - o que
ocorreria se, diferentemente, a propriedade fosse novamente bipartida. Nessa operação, há o cancelamento indireto
do usufruto, mantido o seu registro apenas como origem e base da alienação
efetuada.
Não teria sentido, ou mesmo fundamento
jurídico, exigir-se, para alcançar o mesmo propósito, a prévia renúncia do
usufruto pelo usufrutuário, para a posterior transferência do domínio pleno do
imóvel pelo proprietário. Em qualquer dos exemplos não há a perpetuação
proibida do direito real do usufruto, pela consolidação do domínio pleno na
pessoa do adquirente. O que se deve
prestigiar é a vontade das partes em ato menos oneroso e não proibido pelo
legislador.
Cabe, sim, recusar atos que a lei impede
em que o usufruto sucessivo se faz presente. Institui-se em favor de uma pessoa
para, com sua morte, ser transmitida a outra. Exemplo clássico que deve ser
coibido.
A
cessão por título gratuito ou oneroso do exercício do usufruto, preservada no
mesmo artigo 1.393 do Novo Código, não
se confunde com o direito real propriamente dito. Relação meramente pessoal
e faculdade de perceber as vantagens e frutos da coisa, por isso insusceptível de acessar o registro
imobiliário.
Ao ceder o exercício do usufruto, o
usufrutuário está cedendo a percepção dos frutos advindos da coisa (direito
pessoal) mantendo consigo o direito real que é intransferível a terceiros. A
renda advinda da locação, percepção dos direitos advindos de uma lavoura, são
exemplos inseridos no campo dos direitos pessoais e obrigacionais - não reais.
O usufruto simultâneo ou conjuntivo não se
confunde com o sucessivo. O artigo 1.411 manteve a mesma redação do artigo 740
do Código de 1.916.
"constituído
o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação
a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão
desse couber ao sobrevivente"
No sucessivo (não admitido), para
solidificar o entendimento, o usufrutuário exerce sozinho o direito de usar e
gozar do bem e por sua morte ou por certa condição ou termo, transmitir a
outrem ou seu sucessor.
No
simultâneo, configura-se a pluralidade de usufrutuários, que a um só
tempo gozam da coisa usufruída, com a possibilidade de inserção de cláusula de
acrescer, se convencionada, ao usufrutuário sobrevivente. Indispensável que no ato da constituição sejam declinados os
nomes de todos os usufrutuários e de forma expressa a subsistência do mesmo
usufruto em favor dos demais.
Não
estipulada a cláusula de acrescer, pela superveniência da morte de um dos
usufrutuários, consolida-se na pessoa do
nu-proprietário a plena propriedade da parte ideal do usufrutuário
falecido.
O registrador há que estar atento para a
elaboração correta da averbação -ou do cancelamento parcial do usufruto e união
ao nu-proprietário ou a de acrescer ao cônjuge ou usufrutários sobrevivos, de
maneira que os respectivos titulares exerçam na plenitude seus legítimos
direitos.
Grifo de Winderson Marques
Texto
de Ademar Fioranelli
FONTE: http://www.irib.org.br/obras/o-usufruto-e-o-novo-codigo-civil-a-proibicao-de-alienar-o-direito
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