DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA


 ·         Constitui espécie de contrato preliminar (CC, arts. 462 a 466). É o contrato pelo qual as partes se obrigam a, no futuro, celebrar o contrato de compra e venda. Por esse contrato, “não se promete, sequer, a transmissão, nem sequer, o pagamento do preço: promete-se comprar e promete-se vender” (PONTES DE MIRANDA, 2012b, p. 117). É possível também a promessa unilateral, quando uma pessoa promete vender ou promete comprar, embora seja menos comum.

·         A promessa de compra e venda de imóveis pode ser retratável ou irretratável, conforme seja, ou não, admitido o arrependimento dos contratantes. Para alguns autores, quando não for possível a retratação, tem-se compromisso, e não promessa, de compra e venda.

·         No CC/1916, a promessa de compra e venda era prevista no art. 1.088, sendo, amplamente, admitido o arrependimento, antes da assinatura da escritura pública de compra e venda. Tal fato deixava sem amparo numerosos compradores de lotes, que tinham por exclusiva garantia a seriedade, a boa-fé e a solvabilidade dos loteadores. Com a valorização imobiliária, os loteadores, frequentemente, exerciam o direito de arrependimento, sujeitando-se ao pagamento de uma indenização, para poderem, novamente, alienar o imóvel, com lucros, às vezes, exorbitantes. Para corrigir essa distorção, foi editado o Decreto-Lei n. 58/1937, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações.

·         No art. 5o desse Decreto-Lei, previu-se que a averbação do compromisso atribuía ao compromissário comprador “direito real aponível [sic.] a terceiros, quanto à alienação ou oneração posterior”, e, no art. 15, estabeleceu-se que, ao quitar a dívida, tinha o compromissário comprador o direito de “exigir a outorga da escritura de compra e venda”, não sendo, portanto, admitido o arrependimento. Segundo o art. 22, desse Decreto-Lei, esse regime, aplicável aos imóveis loteados, pode ser estendido ao compromisso de compra e venda de imóveis não loteados, desde que não tenha sido pactuado arrependimento e o seu instrumento tenha sido registrado.

·         Com a edição da Lei n. 6.766/1979, que regula o parcelamento do solo urbano e dá outras providências, o Decreto-Lei n. 58/1937 foi parcialmente revogado, destinando-se, hoje, a reger o loteamento rural e o compromisso de compra e venda de imóveis não loteados, urbanos ou rurais.

·         A Lei n. 6.766/1979 manteve, no tocante aos compromissos de compra e venda de imóveis objeto de loteamento urbano, a disciplina a eles atribuída pelo Decreto-lei n. 58/1937, prevendo, no art. 25, a irretratabilidade, o direito à adjudicação compulsória e, com o registro, a oponibilidade erga omnes. A Lei n. 4.591/1964, que regula as incorporações imobiliárias, também tem regra semelhante (art. 32, § 2o), no tocante à aquisição de unidades autônomas.

·         O atual Código Civil, em termos genéricos, prevê, no art. 1.417, que mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. O arrependimento deve ser pactuado expressamente. Se não tiver sido previsto, a promessa é irretratável (diversamente do que ocorria com o art. 1.088 do CC/1916, em que a cláusula de arrependimento era tácita ou implícita). Além disso, havendo dúvidas quanto à existência ou não do direito de arrependimento ou quanto à sua maior ou menor amplitude, a solução pende para as interpretações restritivas (AZEVEDO JÚNIOR, 2006, p .281).

·         O art. 1.417 do Código Civil só se aplica aos imóveis não loteados e às unidades autônomas que não sejam objeto de incorporação imobiliária. Não se aplica, portanto, aos loteamentos rurais e urbanos e às unidades autônomas negociadas no âmbito das incorporações imobiliárias, cujos regramentos não admitem arrependimento.

·         A mutação jurídico-real ocorre com o registro. Com a inscrição do compromisso de compra e venda, atribui-se ao direito à aquisição oponibilidade erga omnes. Pode, portanto, a partir desse momento, ser exercido em face de terceiros. Assim, após o registro, são ineficazes perante o compromissário comprador eventuais direitos incompatíveis com a aquisição, constituídos pelo compromitente vendedor. A alienação ou oneração a terceiros somente é possível se contar com a participação do compromissário comprador (KONNO, 2007, p. 118).

·         O registro não exerce influência alguma sobre a irretratabilidade ou sobre o direito à adjudicação compulsória.

·         O arrependimento, quando admitido, deve ser previsto no contrato. Eventual registro de promessa de compra e venda no qual se tenha pactuado o arrependimento não torna o contrato irretratável2. A irretratabilidade, repise-se, decorre da vontade das partes, e não do registro.

·         Mas, mesmo nos casos em que admitido o arrependimento, este não pode ser exercido a qualquer momento. Uma vez cumpridas as obrigações a cargo do promitente comprador, ou seja, uma vez pago o preço, não pode mais o promitente vendedor arrepender-se. Isso é pacífico na doutrina e na jurisprudência. O que se discute é se seria possível o arrependimento por parte do promitente vendedor, após a satisfação da maior parte das prestações. Essas situações devem ser analisadas caso a caso, tendo como norte a doutrina do abuso de direito.

·         O direito de exigir a outorga da escritura pública de compra e venda do promitente vendedor também não depende de registro3. A outorga da escritura pública de compra e venda constitui a prestação devida pelo promitente vendedor. É efeito do contrato. Sua natureza, portanto, é meramente obrigacional. Exatamente por isso, a ação destinada a exigir a outorga da escritura pública é pessoal, e não real. Sendo pessoal, não é necessária a citação do cônjuge do promitente vendedor, conforme exige o art. 10, § 1o, I, do CPC4, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem considerado competente para o julgamento das ações de adjudicação compulsória o forum rei sitae, sob o fundamento de tratar-se de uma ação real imobiliária (AgRg no REsp 773.942/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/8/2008, DJe 5/9/2008). Além disso, segundo a jurisprudência, essa ação é imprescritível.

·         A vinculação do direito de exigir a outorga da escritura definitiva ao prévio registro do compromisso de compra e venda, que chegou a ser dominante no passado, por força de orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), dizia respeito aos imóveis não loteados, e a base da controvérsia era a redação do art. 22 do Decreto-Lei n. 58/1937, que, em um mesmo dispositivo, tratava do registro, da constituição do direito real e da adjudicação compulsória. Com relação aos imóveis não loteados, não havia discussão, pois estes temas eram regulados em dispositivos diversos (arts. 5o e 16).

·         Hoje, pelo menos no STJ, não existe tal vinculação. A respeito, cf. a Súmula 239 do STJ: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”. Esse também é o entendimento esposado no Enunciado n. 95 do CJF: “O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ)”.

·         ação destinada a satisfazer a pretensão de outorga da escritura pública definitiva de compra e venda é conhecida como ação de adjudicação compulsória. Referida demanda tem fundamento no art. 16 do Decreto-Lei n. 58/1937 e no art. 25 da Lei n. 6.766/1979 e segue o rito sumário6 (CPC, art. 275 e ss.). Essa pretensão também pode ser satisfeita pela ação de obrigação de prestar declaração de vontade, espécie de ação de obrigação de fazer, hoje prevista art. 466-B do CPC, mas que, antes da Lei n. 11.232/2005, era tratada no art. 639 do CPC. Tal ação está sujeita, todavia, ao rito ordinário. Mas existem divergências sobre as situações em que essas ações podem ser manejadas. Para parte da doutrina e da jurisprudência, a ação de adjudicação compulsória só pode ser utilizada se o compromisso estiver registrado; caso contrário, o julgamento da demanda deve ser encaminhado às vias ordinárias.

·         Como a oponibilidade erga omnes só se dá com o registro, sem este não tem o compromissário comprador ação contra terceiro de boa-fé que eventualmente tenha adquirido, pelo registro, o imóvel do compromitente comprador. “A pretensão de adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrita assim aos contraentes, não podendo prejudicar os direitos de terceiros que entrementes hajam adquirido o imóvel e obtido o devido registro, em seu nome, no ofício imobiliário” (REsp 27246/RJ, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/1992, DJ 17/12/1992, p. 24.251). Caberá ao compromissário comprador, neste caso, demandar a restituição dos valores pagos mais perdas e danos.

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