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A promessa de compra e venda de imóveis pode ser retratável ou
irretratável, conforme seja, ou não, admitido o arrependimento dos
contratantes. Para alguns autores, quando não for possível a retratação, tem-se
compromisso, e não promessa, de compra e venda.
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No CC/1916, a promessa de compra e venda era prevista no art. 1.088,
sendo, amplamente, admitido o arrependimento, antes da assinatura da escritura
pública de compra e venda. Tal fato deixava sem amparo numerosos compradores de
lotes, que tinham por exclusiva garantia a seriedade, a boa-fé e a
solvabilidade dos loteadores. Com a valorização imobiliária, os loteadores,
frequentemente, exerciam o direito de arrependimento, sujeitando-se ao
pagamento de uma indenização, para poderem, novamente, alienar o imóvel, com
lucros, às vezes, exorbitantes. Para corrigir essa distorção, foi editado o
Decreto-Lei n. 58/1937, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos
para pagamento em prestações.
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No art. 5o desse Decreto-Lei, previu-se que a averbação do compromisso
atribuía ao compromissário comprador “direito real aponível [sic.] a terceiros,
quanto à alienação ou oneração posterior”, e, no art. 15, estabeleceu-se que,
ao quitar a dívida, tinha o compromissário comprador o direito de “exigir a
outorga da escritura de compra e venda”, não sendo, portanto, admitido o
arrependimento. Segundo o art. 22, desse Decreto-Lei, esse regime, aplicável
aos imóveis loteados, pode ser estendido ao compromisso de compra e venda de
imóveis não loteados, desde que não tenha sido pactuado arrependimento e o seu
instrumento tenha sido registrado.
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Com a edição da Lei n. 6.766/1979, que regula o parcelamento do solo
urbano e dá outras providências, o Decreto-Lei n. 58/1937 foi parcialmente
revogado, destinando-se, hoje, a reger o loteamento rural e o compromisso de
compra e venda de imóveis não loteados, urbanos ou rurais.
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A Lei n. 6.766/1979 manteve, no tocante aos compromissos de compra e
venda de imóveis objeto de loteamento urbano, a disciplina a eles atribuída
pelo Decreto-lei n. 58/1937, prevendo, no art. 25, a irretratabilidade, o
direito à adjudicação compulsória e, com o registro, a oponibilidade erga
omnes. A Lei n. 4.591/1964, que regula as incorporações imobiliárias, também
tem regra semelhante (art. 32, § 2o), no tocante à aquisição de unidades
autônomas.
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O atual Código Civil, em termos genéricos, prevê, no art. 1.417, que
mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento,
celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de
Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do
imóvel. O arrependimento deve ser pactuado expressamente. Se não tiver sido
previsto, a promessa é irretratável (diversamente do que ocorria com o art.
1.088 do CC/1916, em que a cláusula de arrependimento era tácita ou implícita).
Além disso, havendo dúvidas quanto à existência ou não do direito de
arrependimento ou quanto à sua maior ou menor amplitude, a solução pende para
as interpretações restritivas (AZEVEDO JÚNIOR, 2006, p .281).
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O art. 1.417 do Código Civil só se aplica aos imóveis não loteados e às
unidades autônomas que não sejam objeto de incorporação imobiliária. Não se
aplica, portanto, aos loteamentos rurais e urbanos e às unidades autônomas
negociadas no âmbito das incorporações imobiliárias, cujos regramentos não
admitem arrependimento.
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A mutação jurídico-real ocorre com o registro. Com a inscrição do
compromisso de compra e venda, atribui-se ao direito à aquisição oponibilidade
erga omnes. Pode, portanto, a partir desse momento, ser exercido em face de
terceiros. Assim, após o registro, são ineficazes perante o compromissário
comprador eventuais direitos incompatíveis com a aquisição, constituídos pelo
compromitente vendedor. A alienação ou oneração a terceiros somente é possível
se contar com a participação do compromissário comprador (KONNO, 2007, p. 118).
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O registro não exerce influência alguma sobre a irretratabilidade ou
sobre o direito à adjudicação compulsória.
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O arrependimento, quando admitido, deve ser previsto no contrato.
Eventual registro de promessa de compra e venda no qual se tenha pactuado o
arrependimento não torna o contrato irretratável2. A irretratabilidade,
repise-se, decorre da vontade das partes, e não do registro.
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Mas, mesmo nos casos em que admitido o arrependimento, este não pode ser
exercido a qualquer momento. Uma vez cumpridas as obrigações a cargo do
promitente comprador, ou seja, uma vez pago o preço, não pode mais o promitente
vendedor arrepender-se. Isso é pacífico na doutrina e na jurisprudência. O que
se discute é se seria possível o arrependimento por parte do promitente
vendedor, após a satisfação da maior parte das prestações. Essas situações
devem ser analisadas caso a caso, tendo como norte a doutrina do abuso de
direito.
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O direito de exigir a outorga da escritura pública de compra e venda do
promitente vendedor também não depende de registro3. A outorga da escritura
pública de compra e venda constitui a prestação devida pelo promitente
vendedor. É efeito do contrato. Sua natureza, portanto, é meramente
obrigacional. Exatamente por isso, a ação destinada a exigir a outorga da
escritura pública é pessoal, e não real. Sendo pessoal, não é necessária a
citação do cônjuge do promitente vendedor, conforme exige o art. 10, § 1o, I,
do CPC4, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem considerado competente
para o julgamento das ações de adjudicação compulsória o forum rei sitae, sob o
fundamento de tratar-se de uma ação real imobiliária (AgRg no REsp 773.942/SP,
Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/8/2008, DJe
5/9/2008). Além disso, segundo a jurisprudência, essa ação é imprescritível.
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A vinculação do direito de exigir a outorga da escritura definitiva ao
prévio registro do compromisso de compra e venda, que chegou a ser dominante no
passado, por força de orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), dizia
respeito aos imóveis não loteados, e a base da controvérsia era a redação do
art. 22 do Decreto-Lei n. 58/1937, que, em um mesmo dispositivo, tratava do
registro, da constituição do direito real e da adjudicação compulsória. Com
relação aos imóveis não loteados, não havia discussão, pois estes temas eram
regulados em dispositivos diversos (arts. 5o e 16).
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Hoje, pelo menos no STJ, não existe tal vinculação. A respeito, cf. a
Súmula 239 do STJ: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao
registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”. Esse também
é o entendimento esposado no Enunciado n. 95 do CJF: “O direito à adjudicação
compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do
promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e
venda no cartório de registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ)”.
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ação destinada a satisfazer a pretensão de outorga da escritura pública
definitiva de compra e venda é conhecida como ação de adjudicação compulsória.
Referida demanda tem fundamento no art. 16 do Decreto-Lei n. 58/1937 e no art.
25 da Lei n. 6.766/1979 e segue o rito sumário6 (CPC, art. 275 e ss.). Essa
pretensão também pode ser satisfeita pela ação de obrigação de prestar
declaração de vontade, espécie de ação de obrigação de fazer, hoje prevista
art. 466-B do CPC, mas que, antes da Lei n. 11.232/2005, era tratada no art.
639 do CPC. Tal ação está sujeita, todavia, ao rito ordinário. Mas existem
divergências sobre as situações em que essas ações podem ser manejadas. Para parte
da doutrina e da jurisprudência, a ação de adjudicação compulsória só pode ser
utilizada se o compromisso estiver registrado; caso contrário, o julgamento da
demanda deve ser encaminhado às vias ordinárias.
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Como a oponibilidade erga omnes só se dá com o registro, sem este não
tem o compromissário comprador ação contra terceiro de boa-fé que eventualmente
tenha adquirido, pelo registro, o imóvel do compromitente comprador. “A
pretensão de adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrita assim aos contraentes,
não podendo prejudicar os direitos de terceiros que entrementes hajam adquirido
o imóvel e obtido o devido registro, em seu nome, no ofício imobiliário” (REsp
27246/RJ, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/1992, DJ
17/12/1992, p. 24.251). Caberá ao compromissário comprador, neste caso,
demandar a restituição dos valores pagos mais perdas e danos.
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