Existem
várias espécies de usucapião, mas sua ocorrência depende do preenchimento de
determinados requisitos, que devem estar presentes em todas as modalidades de
prescrição aquisitiva. Trata-se dos requisitos gerais, que são de ordem
pessoal, real e formal.
Requisitos
pessoais:
São
requisitos pessoais a capacidade e a legitimidade.
Parece não
haver divergência de que a incapacidade absoluta ou relativa não é obstáculo à
aquisição da propriedade imobiliária, quando o incapaz estiver devidamente
representado (no caso da incapacidade absoluta) ou assistido (na hipótese de
incapacidade relativa). Uns dos fundamentos utilizados pela doutrina é o art.
198, inc. I, do CC, que diz não correr a prescrição contra os absolutamente
incapazes. Se só não corre contra, a contrario sensu, corre a favor. Mas, mesmo
neste caso, surge um conflito: os atos possessórios devem ser exercidos por
quem? Pelo representante legal? Pelo incapaz?
São
perguntas cujas respostas variam conforme se adote a teoria objetiva de Ihering
ou a teoria subjetiva de Savigny.
Para a teoria subjetiva, só há posse se, além
do corpus, estiver presente o animus. Não basta ter a coisa. É preciso a
vontade de ter a coisa como sua. E, por se fazer necessária a presença de
vontade, é que se exige que os atos possessórios sejam exercidos pelo
representante legal, pelo menos no caso do absolutamente incapaz. Isso porque o
Direito respeita a vontade do relativamente incapaz. Mas exige, para que esta
se manifeste validamente, que sua vontade seja integrada pela de outra pessoa,
seu assistente. Já não se pode dizer o mesmo do absolutamente incapaz, cuja
vontade só é levada em conta se manifestada por meio de seu representante.
Já para a teoria objetiva, para que exista posse,
basta a presença do corpus. Sob esta perspectiva, o mero exercício de atos
possessórios, por quem quer que seja, capaz ou incapaz, é suficiente para conduzir
à usucapião. Só não haverá essa possibilidade nas hipóteses vedadas pela lei,
como no caso do fâmulo da posse.
No Direito
Português, Pires de Lima e Antunes Varela advertem quanto à capacidade de gozo
que “não teriam sentido, em face de um direito puramente material como a posse,
quaisquer limitações em relação aos incapazes (menores ou interditos).
Inibi-los de adquirir por usucapião seria o mesmo que impedi-los de adquirir
por compra ou por doação” (1987, p. 67). No que respeita à capacidade de
exercício, dizem referidos civilistas que o incapaz pode, por meio de simples
atos possessórios por ele praticados, usucapir. Exigem, todavia, por parte dos
incapazes, o uso da razão, que é “a consciência de que estão a praticar actos
materiais de posse” (1987, p. 68), salvo quanto às coisas que podem ser
adquiridas por ocupação, como a res nullius, que podem ser adquiridas
independentemente desta consciência. O que os incapazes não poderão é
comparecer em juízo, alegando, pessoalmente, a usucapião. Devem fazê-lo por
meio ou com o auxílio de seus representantes legais.
No que diz
respeito às pessoas que sofrem os efeitos da usucapião, “não há exigência
relativamente à capacidade. Basta que seja proprietário da coisa suscetível de
ser usucapida. Ainda que não tenha capacidade de fato, pode sofrer os efeitos
da posse continuada de outrem, pois compete a quem o representa impedi-la”
(GOMES, 2007, p. 189). Ressalvam-se, apenas, os absolutamente incapazes, contra
quem, já foi dito, não corre o prazo exigido para a usucapião (CC, art. 198,
inc. I). Perdida a propriedade pelo relativamente incapaz, têm estes ação
contra os seus assistentes, que deram causa à usucapião, aplicando-se, por
analogia, o art. 195 do CC.
Quanto à legitimidade, estão impedidos de
adquirir imóveis uns dos outros:
a) - os cônjuges, na constância da
sociedade conjugal;
b) - os ascendentes e os descendentes,
durante o poder familiar; e
c) - os tutelados ou curatelados e seus
tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Esses casos
estão relacionados no art. 197 do CC, aplicáveis à usucapião por força do art.
1.244, também do CC, que diz o seguinte: “Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o
disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou
interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”.
Legitimidade, necessário lembrar, não se confunde
com capacidade. O cônjuge, por
exemplo, é dotado de capacidade, podendo adquirir por usucapião os bens de
qualquer pessoa, mas, “por motivos de ordem moral e para evitar possíveis
abusos” (BEVILÁQUA, 1941, p. 176), carece de legitimidade para usucapir os bens
do seu consorte.
Requisitos REAIS:
“Não são
todas as coisas, nem todos os direitos que se adquirem por usucapião” (GOMES,
2007, p. 189). Não se sujeitam à usucapião os bens públicos, qualquer que seja
a sua natureza (de usocomum
do povo, de uso especial e dominicais).
Por bens
públicos entenda-se os pertencentes às pessoas jurídicas de direito público –
União, estados, Distrito Federal, municípios e respectivas autarquias e
fundações públicas de direito público (critério da titularidade), e os
pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado – fundações públicas de
direito privado, empresas públicas e sociedades de economia mista, desde que
afetados à prestação de serviços públicos (critério da finalidade). Estes não podem ser usucapidos.
Agora,
quando os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado estiverem
voltados para a realização de atividade econômica, aí sim é possível a
usucapião. Sobre o tema, confira trecho da seguinte decisão monocrática da Min.
Ellen Gracie, do STF, no RE 536.297:
Com
relação às empresas públicas e sociedades de economia mista, cuja natureza
jurídica é de direito privado, há duas situações distintas, uma vez que essas
entidades estatais podem ser prestadoras de serviço público ou exploradoras de
atividade econômica. Os bens das empresas públicas ou sociedades de economia
mista prestadoras de serviço público e que estejam afetados a essa finalidade
são considerados bens públicos. Já os bens das estatais exploradoras de
atividade econômica são bens privados, pois, atuando nessa qualidade, sujeitam-se
ao regramento previsto no art. 173, da Carta Magna, que determina, em seu § 1o,
II, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas. Nessa linha
de entendimento, esse Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 220.906/DF,
declarou a impenhorabilidade de bens da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos, tendo em vista que a atividade econômica precípua da ECT está
direcionada à prestação de serviço público de caráter essencial à coletividade.
Esta, entretanto, não é a hipótese dos autos, na medida em que a Caixa
Econômica Federal, quando atua na realização de empréstimos e financiamentos,
exerce atividade tipicamente econômica, inclusive, em concorrência com outras
instituições financeiras privadas. Por essa razão, insere-se a Caixa Econômica
Federal, no caso presente, no regime normal das demais pessoas jurídicas de
direito privado, não havendo óbice a que seus bens sejam adquiridos por
usucapião, caso presentes os pressupostos constitucionais e legais.
Esse também
é o posicionamento do STJ. Nesse sentido, destacam-se os seguintes precedentes:
REsp 120.702/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 20/8/2001; REsp 37.906/ES,
Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 15/12/1997.
Não só a
propriedade pode ser adquirida por usucapião. Também a servidão, quando
aparente (CC, art. 1.379), a superfície, o usufruto (CC, art. 1.391), o uso e a
habitação.
Requisitos FORMAIS:
São
requisitos formais de toda e qualquer modalidade de usucapião a posse e o tempo. Em outras palavras, a
posse exercida por determinado período de tempo. Esses requisitos estão
presentes em todas as modalidades de usucapião.
A posse que
conduz à usucapião, isto é, a posse ad usucapionem, é aquela “exercida com
animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente” (GOMES, 2007, p.
189).
O animus
domini caracteriza-se pela vontade de ter a coisa como sua. O termo, todavia,
não é adequado para indicar o que se pretende, realmente, expressar. Na
verdade, o que se quer dizer, ao exigir o animus domini, é que não podem
adquirir por usucapião os fâmulos da posse e os que temporariamente exercem a
posse direta por força de obrigação ou direito, como ocorre com o usufrutuário
e o locatário. Aqueles não exercem posse, mas mera detenção; já estes exercem
posse. Todavia, a posse que o usufrutuário e o locatário exercem não é hábil
para conduzir à usucapião, mas apenas para a utilização dos interditos
(interdito proibitório, manutenção de posse e reintegração de posse). Por isso
mesmo que é chamada de posse ad interdicta. Além disso, possuem a título
precário, provisório. A posse que exercem está vinculada ao implemento da
condição ou do termo estabelecido. E, segundo estabelece o art. 199, incs. I e
II, do CC, não corre a prescrição pendendo condição suspensiva ou não estando
vencido o prazo. “Somente depois de realizada a condição, ou vencido o prazo,
cabe ao titular do direito subordinado a condição ou prazo exigir a entrega ou
restituição do bem, e somente a contar desse momento seria lícito alegar posse
da coisa como sua” (BEVILÁQUA, 1941, p. 178).
A posse
mansa e pacífica é a que se exerce sem oposição. Mas não é qualquer oposição.
Mera insatisfação por parte de quem quer que seja, ainda que exteriorizada por
atos praticados em juízo ou fora dele não são capazes de turbar a mansidão e a
pacificidade da posse. A oposição deve ser séria e eficaz. Vale dizer, deve
partir de meio idôneo e ser capaz de fazer cessar a posse que vinha sendo
exercida.
A oposição
pode ser natural ou civil (cf. FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 418). É natural
quando decorre de ato material, como a expulsão, à força, do possuidor. É civil
quando decorrem de providências judiciais tomadas pelo proprietário em face do possuidor.
Em virtude da seriedade que se exige da oposição, não basta a ocorrência de uns
ou de outros. É preciso que tais atos ou providências sejam eficazes.
Assim, o
possuidor esbulhado pelo proprietário poderá retomar o bem mediante desforço
imediato ou pelo ajuizamento de ação possessória, sem prejuízo de sua posse.
Farias e Rosenvald (2012, p. 418) dão elucidativo exemplo:
se
após completar o período de 8 (oito) anos de posse, o possuidor A dela for
privado por ato de força praticado pelo proprietário B, poderá com sucesso
obter a liminar na ação de reintegração de posse. O tempo em que ficou excluído
da ingerência sobre a coisa será contado como efetivamente possuído, sem
interrupção. Assim, se retornar após três meses, a posse total de A será de oito
anos e três meses.
Para que
configurem oposição, os atos materiais do proprietário ou de terceiro devem ser
capazes de cessar, permanentemente, os atos possessórios que vinham sendo
exercidos pelo possuidor. O possuidor deve desistir de voltar a possuir ou,
caso se valha da ação de reintegração de posse, deve ter sua demanda julgada
improcedente.
Da mesma
forma, para que caracterizem oposição, as providências judiciais tomadas pelo
proprietário devem ser tuteladas pelo Judiciário. Não basta o ajuizamento de ação
reivindicatória. Não é suficiente a citação nesta demanda. É preciso que a ação
reivindicatória seja julgada procedente.
Anotam
Farias e Rosenvald (2012, p. 419) que não mais se tolera que notificações
extrajudiciais, cartas e outros atos materiais interrompam a prescrição
aquisitiva e que a interpelação judicial cessa o curso da usucapião se, após o
prazo nela referido, for imediatamente ajuizada a ação adequada, sob pena de
perda dos efeitos da mora com aquela obtida. Dizem, ainda, que, respeitado esse
procedimento, ou seja, ajuizada imediatamente a ação adequada, a interrupção da
prescrição aquisitiva não retroagirá apenas à data do ajuizamento da ação, mas
à da própria interpelação.
É preciso
que fique claro que posse mansa e pacífica não é aquela aceita, tolerada, pelo
proprietário e por terceiros. O possuidor pode viver em “pé de guerra” com
todos os demais membros da sociedade, mas se conseguir manter a sua posse
durante o prazo exigido em lei adquirirá a propriedade, ou outro direito real,
por usucapião.
POSSE
CONTÍNUA:
A posse deve
ser contínua, ou seja, ininterrupta. A interrupção da posse pode decorrer de
oposição séria e eficaz ou de ato espontâneo do possuidor.
Cessa a
continuidade da posse quando o possuidor, espontaneamente, abandona a coisa. Se
desiste de praticar atos possessórios em razão de atos de turbação praticados
pelo proprietário ou por terceiro, o abandono é voluntário, em razão de
oposição. O que se quer esclarecer é que ato voluntário não se confunde com ato
espontâneo. O abandono é espontâneo quando não decorre de oposição. Quando o
possuidor, por si só, decide não mais exercer atos possessórios. Quando ele, no
exercício exclusivo de sua autonomia privada, abandona a coisa.
Abandonada a
coisa, interrompe-se o prazo da usucapião. Nesse caso, se, posteriormente, o
possuidor voltar a exercer poder de fato sobre a coisa, com animus domini,
dar-se-á início a um novo prazo, desprezando-se o tempo anteriormente
decorrido.
Mas isso não
quer dizer que o possuidor deva, a todo tempo, exercer, ele próprio, atos
possessórios. O possuidor pode se afastar, ainda que por considerável período
de tempo, da coisa imóvel, sem prejuízo de sua posse. O que é relevante
considerar, nesses casos, é a destinação econômica dada à coisa pelo possuidor.
Trata-se da aplicação da teoria objetiva de Ihering. A pessoa que,
publicamente, ocupa, com animus domini, uma casa de veraneio, fazendo-lhe os
reparos necessários e úteis, pagando-lhe os tributos devidos, exerce posse ad
usucapionem, ainda que apenas em determinados períodos do ano visite, de fato,
o imóvel.
Exige-se a
publicidade da posse nos casos em que a coisa é tomada ocultamente, ou seja,
clandestinamente. Estabelece o art. 1.208 do CC que não autorizam a aquisição
da posse os atos clandestinos, senão depois de cessar a clandestinidade. Uma
vez tomada a coisa às ocultas, a posse deixa de ser viciada quando exercida
publicamente, sendo desnecessária que se torne conhecida do esbulhado (PIRES DE
LIMA; ANTUNES VARELA, 1987, p. 79).
O período de
tempo durante o qual deve ser exercida a posse ad usucapionem, estabelecido em
lei como necessário e suficiente para a aquisição da propriedade imobiliária,
varia segundo a modalidade de usucapião.
O prazo
máximo exigido em lei para a usucapião imobiliária é de 15 anos (CC, art.
1.238). Trata-se da usucapião extraordinária. Para que se dê a aquisição
imobiliária por meio desta espécie de usucapião, basta a observância dos
requisitos gerais, quais sejam, posse mansa e pacífica, contínua e exercida com
animus domini durante o prazo de 15 anos.
As outras
espécies de usucapião possuem prazos menores. Mas, nessas hipóteses, exigem-se,
além da posse ad usucapionem, outros elementos, de que são exemplos o justo
título e a boa-fé e a moradia.
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