Quando nasce a poesia

Quando vai nascer a poesia, a gente acha que é das flores, das borboletas e do sorriso singelo de uma criança bem nutrida. A gente acha, mas não é. Quando vai nascer a poesia, é do suor sufocante do gozo silenciado. Ou do grito enfastiado da última vontade de abandonar o trabalho que lhe garante casa e comida. É do gemido obsceno que faz verter o sangue de todas as suas virgindades. É de quando você rasga o pudor aos poucos, ferindo a própria carne. É também do pudor tão sufocante que dói sem poder rasgar. A poesia é como a tristeza raivosa da mãe ressentida: “dei tudo a eles e nada tenho em troca”. A poesia ressente no calor dos versos e repete palavras à exaustão. É também alegria que vem sem qualquer razão de ser. É desalinho. É um pecado sem lugar – nem o próprio deus de amor perdoa. A poesia pede e insiste. Mendiga o seu carinho no auge de sua desesperança. É quando você escuta a história mais triste do mundo. E vê nos olhos de seus filhos todas as crianças assassinadas pelos donos da noite. A poesia é quando você não divide mais o mundo entre eles e nós: e tudo o que chora está em você e você está em todas as lágrimas que sangram sob as pontes abandonadas. A poesia é aquela pontada de esperança de que universo tenha jeito. E um desejo devastador de que tudo se despedace em estrelas cadentes. Recheadas do sangue de quem não sabe amar. A poesia é quando você ama o suficiente para se saber um quase-nada. Diante de tudo o que arde. Diante de tudo o que voa. Diante de todo desejo. A poesia é quando você sai de si. E tem todos os corpos de deus.


FONTE: http://www.bailedemascaras.blog.br

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