"CHE - O Argentino"

Che – O Argentino (The Argentine, EUA, 2008).

Dirigido por Steven Soderbergh.
Com: Benicio Del Toro, Demián Bichir, Rodrigo Santoro, Santiago Cabrera, Kahlil Mendez, Julia Ormond, Jorge Perugorría, Catalina Sandino Moreno.

Que diferença enorme fazem meio século e a perspectiva oferecida pelo distanciamento histórico: se em 1969 o diretor Richard Fleischer comandou o repulsivo Che!, que trazia Omar Shariff (que depois renegou o filme) como Guevara numa produção politicamente míope (pior: cega), foi somente em 2008, 50 anos após a Revolução Cubana, que o cineasta norte-americano Steven Soderbergh conseguiu levar Hollywood a produzir um longa que retratasse não apenas a importância histórica da derrubada de Fulgêncio Batista, mas também que fizesse jus ao espírito revolucionário de uma das figuras mais emblemáticas do século 20: Ernesto Guevara Serna, o “Che”. (O maravilhoso Diários de Motocicleta não conta, já que aborda a juventude pré-revolucionária do personagem e é uma produção internacional comandada por um brasileiro.)

Pode não parecer, mas é realmente significativo que vivamos numa época em que um cineasta do mainstream norte-americano tenha a coragem e a possibilidade de usar seu peso na indústria de Hollywood para realizar uma cinebiografia que, longe de condenar o espírito da Revolução Cubana, ainda retrata Fidel e Che como figuras dignas que tiveram a coragem de lutar por Cuba num período em que os Estados Unidos já interferiam pesadamente nas políticas internas de todas as nações da América Latina.

Intercalando as ações dos revolucionários na Sierra Maestra com a célebre visita de Che a Nova York para discursar na ONU, O Argentino, primeira parte do épico Che, exibe uma autenticidade impressionante não só pela decisão acertada de empregar o espanhol como língua dominante (em vez do “inglês com sotaque” que Hollywood costuma adotar), mas também pelo excelente uso das locações e a abordagem direta, objetiva, de Soderbergh, que só adota um estilo diferenciadamente marcante nas seqüências em Nova York, que são rodadas num preto-e-branco granulado que assume, assim, um caráter documental, de imagens de arquivo.

Sem também cometer o erro de usar a guerrilha nas montanhas como desculpa para conferir um caráter de “longa de ação” ao projeto, O Argentino é basicamente um filme de idéias políticas: desde o histórico primeiro encontro entre Fidel e Che até o plano final, esta produção se preocupa em estabelecer o protagonista como um homem de princípios, como alguém que não se interessa pela luta armada por ter uma personalidade violenta ou por gostar de adrenalina, mas sim por amar profundamente os camponeses que sofrem sob o jugo imperialista que, no período pós-Guerra, caracterizou a principal estratégia econômica norte-americana na América Latina.

Sem fugir das questões mais controversas (como o fato de Che ter “justiçado” desertores na Sierra Maestra), O Argentino impressiona também graças às magníficas interpretações de seu magistral elenco: como o personagem-título, Benicio Del Toro mais uma vez se estabelece como um ator visceral, ao passo que Demián Bichir não só se parece muito com o jovem Fidel como ainda resgata perfeitamente os trejeitos e maneirismos do líder revolucionário. Enquanto isso, Rodrigo Santoro vem demonstrando humildade e inteligência ao aceitar papéis menores em produções internacionais (ver também Leonera), já que seus ótimos desempenhos nestes ótimos projetos certamente farão mais por sua carreira do que atuações maiores em filmes medíocres poderiam fazer.

Rodado com a novíssima câmera Red One (sobre a qual escrevi há algum tempo no blog), Che comprova que a diferença entre a película e o digital, especialmente com um bom trabalho de pós-produção, já é inexistente (a Red One alcança os 4K similares ao filme convencional) – e, assim, até mesmo em seu aspecto tecnológico o longa se revela um dos mais importantes do ano.
 
Crítica disponível em http://www.cinemaemcena.com.br/FICHA_FILME.ASPX?ID_FILME=1466&aba=detalhe  por Pablo Villaça

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